SARCOPENIA E ENVELHECIMENTO
A sarcopenia associada ao envelhecimento é um processo lento, progressivo e
aparentemente inevitável, até mesmo naqueles indivíduos que praticam exercícios
físicos regularmente. Suas consequências afetam diretamente a funcionalidade e
qualidade de vida de muitos idosos, com sérias repercussões sobre os aspectos
sociais, econômicos e de saúde. Existem diversos fatores etiológicos envolvidos
na patogênese da sarcopenia. Entretanto, ainda não foi estabelecida uma clara
relação causal. É fundamental o desenvolvimento de estudos longitudinais para
melhor compreensão dos aspectos fisiopatológicos da sarcopenia, bem como o
aperfeiçoamento de métodos de mensuração da massa muscular para o diagnóstico
precoce e avaliação de medidas terapêuticas efetivas para o ganho de massa
muscular em idosos. Dessa forma, apresentamos abaixo algumas questões
importantes relativas a esse assunto.
Como decorre o processo de
sarcopenia durante o envelhecimento?
Da interação complexa de distúrbios da
inervação neuromuscular, alterações hormonais e da dieta e aumento de
mediadores inflamatórios. Além disso, a perda de massa e força musculares é
responsável pela redução de mobilidade e aumento da incapacidade funcional e
dependência. Adicionalmente, foi demonstrada maior prevalência de incapacidade
e dependência funcional em idosos, particularmente do gênero feminino. Estes
aspectos estão associados à redução da massa muscular decorrente do
envelhecimento, mesmo em idosos saudáveis. Rosenberg (1989) foi o pioneiro a
utilizar o termo sarcopenia para descrever a perda muscular esquelética. Como
esta redução faz parte do envelhecimento fisiológico, alguns autores tendem a
definir sarcopenia como doença somente se estiver associada a alguma limitação
funcional. Estima-se que, a partir dos 40 anos, ocorra perda de cerca de 5% de
massa muscular por década, com declínio mais rápido após os 65 anos,
particularmente nos membros inferiores.
Qual é a importância em se estudar
a sarcopenia?
A sarcopenia é uma das variáveis
utilizadas para definição da síndrome de fragilidade, altamente prevalente em
idosos, conferindo maior risco de quedas, fraturas, incapacidade, dependência,
hospitalização recorrente e mortalidade.
O que é a da síndrome de
fragilidade em idosos?
Representa uma vulnerabilidade
fisiológica relacionada à idade, resultado da deterioração da homeostase biológica e da redução da capacidade
do organismo de se adaptar às novas situações de estresse. Outros indicadores
da síndrome incluem perda de peso recente (massa magra); fadiga; quedas
frequentes; fraqueza muscular; diminuição da velocidade da caminhada e do nível
de atividade física.
Quais são alterações na composição
corporal associadas ao envelhecimento?
Redução do conteúdo de água, aumento de
gordura corporal e declínio da massa muscular esquelética.
Quais são métodos de avaliação da
composição corporal?
Bioimpedância, ultrassonografia,
tomografia computadorizada, ressonância magnética e densitometria com dupla
emissão de raios X (DEXA).
Como é calculada a massa muscular
apendicular de um sujeito?
É calculada pela razão da quantidade de
massa magra em braços e pernas (gramas) e a altura do indivíduo ao quadrado (metros),
ou seja, [MMA (g/m2) = massa magra dos braços (g) + massa magra das pernas
(g)/altura2 (m)].
Qual é a finalidade do exame de
DEXA?
Avaliação de composição corporal, pois permite
o estudo segmentar das principais regiões anatômicas: cabeça, tronco e membros
(gramas), % de gordura e massa magra (gramas), bem como a classificação de
tipos de obesidade ginóide (♀ - mulheres) e andróide (♂ - homens), o que poder
servir de ferramenta adicional na avaliação de risco cardiovascular. Além
disso, atualmente, o meio mais utilizado para o diagnóstico de sarcopenia é a realização
da densitometria óssea de corpo total para a avaliação da composição corporal
(massa óssea, magra e adiposa totais). As vantagens do DEXA são a praticidade,
a aquisição de medidas objetivas em tempo curto de exame (20 a 30 minutos), o
custo relativamente baixo quando comparada a outras metodologias, pouca
radiação ionizante (25% da radiografia simples de tórax) e boa
reprodutibilidade.
O que podemos falar com relação à
perda de massa muscular relacionada à idade em ♂ e ♀?
Homens têm maior massa muscular, mas
também apresentam maior perda com o avançar da idade. Com o envelhecimento, os
homens têm maior perda muscular devido ao declínio do hormônio do crescimento
(GH), fator de crescimento relacionado à insulina (IGF-1) e testosterona. Apesar
da perda muscular ser maior em ♂, é importante ressaltar a importância da
sarcopenia em ♀ idosas, uma vez que possuem maior expectativa de vida e alta
prevalência de limitações funcionais.
São fatores associados com a gênese
da sarcopenia?
Hormonais, nutricionais, metabólicos,
imunológicos, neuromusculares (↓ de unidades motoras e fibras musculares e
atrofia muscular) e inatividade física.
Comparação entre músculo de idoso (acima) com de um jovem(abaixo) O que podemos falar sobre a perda de fibras musculares, inervação e sarcopenia? |
As fibras do tipo I (aeróbias, de
contração lenta) parecem ser resistentes à atrofia associada ao envelhecimento,
até os 70 anos de idade, enquanto a área relativa das fibras tipo II
(anaeróbias, de contração rápida) declina de 20 a 50%. Foi observada redução de
50% do número de fibras musculares até nona década de vida, quando comparados
aos jovens de 20 anos de idade. Além disso, achados eletrofisiológicos da
redução das unidades motoras da musculatura proximal e distal de membros
inferiores e superiores corroboram a hipótese de participação da degeneração
neuronal na gênese da sarcopenia.
O que podemos falar sobre os estímulos
anabólicos e a sarcopenia?
Com o envelhecimento, ocorre ↓ nas
substâncias anabólicas no músculo esquelético. Por exemplo, o nível de
testosterona e androgênios declina com a idade, principalmente após os 80 anos.
Existe relação entre queda da testosterona e declínio da massa e força muscular
e estado funcional em idosos. No tecido muscular, os androgênios estimulam a
síntese proteica e o recrutamento das células satélite às fibras musculares em
atrofia. O declínio de estrogênios em mulheres associados à menopausa é bem
conhecido e, possivelmente, os esteroides sexuais femininos exercem efeitos
anabólicos no músculo pela conversão em testosterona. A redução de GH e IGF-1
está implicada no menor estímulo anabólico ao tecido muscular esquelético.
O que podemos falar sobre o
metabolismo basal, a nutrição e a sarcopenia?
Com o avançar da idade, é comum ocorrer
declínio de mais de 15% do gasto metabólico basal, que acontece devido à
redução de tecido magro, principalmente de células musculares metabolicamente
ativas. A ↓ da ingestão alimentar (“anorexia do envelhecimento”) é fator
importante no desenvolvimento e progressão da sarcopenia. Múltiplos mecanismos
levam à ingestão alimentar reduzida no idoso, tais como perda de apetite, fatores
psicossociais e econômicos, redução do paladar e olfato, saúde oral prejudicada
e saciedade precoce. A ingestão reduzida de proteínas ocasiona ↓ da massa e
força musculares, em mulheres na pós-menopausa, e dessa forma discute-se a
necessidade de suplementação nessa população.
O que podemos falar sobre os estímulos
catabólicos e a sarcopenia?
O aumento de estímulos catabólicos em
idosos tem sido aventado como outra causa provável da ↓ da massa muscular. Foi
observado ↑ da produção de citocinas pró-inflamatórias (IL-6, TNF-α e IL-1) em
idosos, que podem estimular a perda de aminoácidos e incrementar a quebra de
proteínas das fibras musculares.
O que podemos falar sobre a
inatividade física, a limitação funcional e a sarcopenia?
A inatividade física é um fator que
contribui para a sarcopenia relacionada ao envelhecimento. Homens e mulheres
idosos com menores níveis de atividade física têm também menor massa muscular e
maior prevalência de incapacidade física. A prática regular de exercícios,
desde jovem, retarda a perda muscular do idoso. E a intervenção mais eficaz
para prevenção e recuperação da perda muscular são os exercícios de força
muscular.
Quais são as opções terapêuticas
para o tratamento da sarcopenia?
Reposição de esteróides sexuais e GH,
prática de exercício físico e utilização de suplementos nutricionais.
O que podemos falar sobre a reposição
de esteróides sexuais no tratamento da sarcopenia?
Tendo por base sua fisiopatologia, é
razoável acreditar que a suplementação hormonal seja uma boa opção para prevenir
a sarcopenia. Atualmente, a maior promessa parece ser a reposição de
testosterona, particularmente em homens com função das gônadas reduzidas, uma
vez que a reposição androgênica é efetiva para ↑ a massa muscular e,
provavelmente, também a força muscular. No entanto, a segurança do uso dessa abordagem
em longo prazo ainda não está completamente bem definida. As reações adversas
mais relatadas são: morte súbita, ↑ do hematócrito (exame de sangue que avalia
o % de glóbulos vermelhos do sangue), retenção hídrica, ginecomastia, aumento
do antígeno prostático específico (PSA), hipertrofia prostática e piora do
perfil lipídico.
O que podemos falar sobre a reposição
de GH em idosos no tratamento da sarcopenia?
A reposição de GH em idosos não ↑ a
força muscular nem potencializa os ganhos com o treino de força. Estratégias
alternativas para estimular o eixo GH/IGF-1 parecem promissoras, como a
administração de hormônio liberador do GH (GHRH) e o complexo IGF-1. O
tratamento com GH em longo prazo em idosos pode alterar o perfil glicêmico, bem
como ocasionar síndrome do túnel do carpo, artralgias, ginecomastia e edema. O
elevado custo do tratamento é a principal limitação para o uso clínico nesta
população.
O que podemos falar sobre a prática
de atividade física no tratamento da sarcopenia em idosos?
A prática de atividade física
(particularmente do treino de força muscular, pois ↑ a massa e força musculares) pode auxiliar na
prevenção e no tratamento da sarcopenia. Os potenciais benefícios em longo
prazo são menor número de quedas e ↑ da mobilidade e independência.
Tatiana Alves de Araujo Silva, Alberto Frisoli Junior, Marcelo Medeiros Pinheiro, Vera Lúcia Szejnfeld. Sarcopenia Associada ao Envelhecimento: Aspectos Etiológicos e Opções Terapêuticas. Rev Bras Reumatol, v. 46, n.6, p. 391-397, nov/dez, 2006
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